segunda-feira, 26 de novembro de 2018

“O PIOR ESTÁ POR VIR”: REPORTAGEM DA PIAUÍ MOSTRA COMO UMA DEMOCRACIA PODE ACABAR




“O PIOR ESTÁ POR VIR”: REPORTAGEM DA PIAUÍ MOSTRA COMO UMA DEMOCRACIA PODE ACABAR



Calma, não estão falando (ainda) do Brasil.
O título é da reportagem de Anne Applebaum, colunista do Washington Post  (aquele jornal comunista odiado por Trump), publicada na edição de novembro da revista Piauí, que relata o esfacelamento das instituições democráticas na Polônia.
Lá, a nova ordem da direita mundial já está no poder há alguns anos, sob a bandeira do partido Lei e Justiça, a versão polonesa do PSL de Bolsonaro.
No momento, o governo polonês está promovendo a reforma do Judiciário para “purgar tribunais da herança comunista”.
Aqui, a tropa de choque do bolsonarismo também já está trabalhando no Congresso Nacional para fazer algo parecido.
Nos dois países, o objetivo é substituir os atuais juízes e colocar gente de confiança dos novos governantes em suas vagas.
Ao ler a estupenda reportagem de Applebaum, judia americana casada com um político polonês, fui anotando as incríveis semelhanças entre os dois processos em marcha.
“Polarização, teorias conspiratórias, ataques à imprensa _ como uma democracia pode acabar”, este é o subtítulo da matéria da Pìauí,
Na marcha batida rumo ao retrocesso institucional em que caminhamos, o Brasil pode virar a Polônia amanhã, se as forças democráticas sobreviventes no nosso país não abrirem logo os olhos.
“O que terá causado essa transfiguração?”, pergunta-se a colunista do Post, que foi procurar a resposta num diário do escritor romeno Mihail Sebastian em que relata a escalada do nazifascismo na Europa dos anos 30.
“Assim como eu, Sebastian era judeu e a maioria dos seus amigos era de direita. No diário, ele anotou como, um por um, eles foram atraídos pela ideologia fascista, tal um bando de mariposas em direção à luz (…) Reparou que descambavam para o pensamento conspiratório ou se tornavam irrefletidamente rudes. Gente que ele conhecia fazia anos o insultava abertamente e depois se portava como se nada tivesse acontecido”.
A certa altura do seu diário, em 1937, o escritor romeno se questiona: “Será possível manter amizade com pessoas que compartilham uma série de percepções incompatíveis com as minhas _ tão incompatíveis que se calam de vergonha e constrangimento assim que entro no recinto?”.
Applebaum retoma o texto: “Não estamos em 1937. Entretanto, hoje vem ocorrendo transfiguração semelhante na Europa em que habito e na Polônia, um país cuja cidadania obtive. E vem ocorrendo sem a desculpa de uma crise econômica como aquela que a Europa sofreu nos anos 30 (…) Dadas as devidas circunstâncias, qualquer sociedade pode se voltar contra a democracia. Aliás, a julgar pela história, todas as sociedades acabarão por fazê-lo”.
Vejam este outro trecho se não lembra o que está acontecendo em nosso país neste preciso momento:
“Profundas mudanças políticas _ eventos que de uma hora para outra separam famílias e amigos, atravessam classes sociais e reconfiguram alianças de maneira impressionante _ não acontecem todo dia na Europa, mas tampouco são desconhecidas”.
Para mostrar a divisão de um país por razões políticas, a reportagem trata também do célebre caso Dreyfus, quando um oficial do exército francês foi acusado de traição, sentenciado por uma corte marcial e confinado numa solitária na ilha do Diabo, próximo à costa da Guiana Francesa.
“Dreyfus não era um espião. Para demonstrar o indemonstrável, seus opositores precisavam desacreditar a evidência, a lei e até o pensamento racional. A  polêmica dividiu a sociedade francesa em duas linhas ora bem conhecidas. Os que sustentavam a culpa de Dreyfus compunham a direita alternativa _ ou o partido Lei e Justiça, ou a frente Nacional Britânica _ da época (…) Já os partidários de Dreyfus argumentavam que certos princípios seriam superiores à honra nacional e que, sim, importava se ele era ou não culpado”.
Não lembra alguma coisa? Em consequência desse antagonismo feroz, Applebaum lembra o que aconteceu:
“Os ânimos se acirraram. Arrebentavam bate-bocas nas salas de jantar de Paris. Familiares deixaram de falar uns com os outros, às vezes por mais de uma geração (…) Bastou um caso judicial – um julgamento contestado – para lançar um país inteiro num debate furioso, gerando desavenças indirimíveis entre pessoas que não sabiam que discordavam entre si”.
A reportagem é longa, tem nove páginas, mas muito bem escrita, vale a pena ler até o fim.
Tenho a impressão de que muita gente ainda não se deu conta dos perigos que estamos correndo no Brasil, onde o pior também ainda está por vir.
Por isso, é bom saber o que está acontecendo em outros países.
Em tempo: outra coincidência na história dos dois países é que a Polônia, assim como o Brasil com Lula, foi um dos raros países do mundo a ser governado por um operário (Lech Walesa). E o líder operário polonês também sofreu as mesmas acusações feitas contra Lula.
Da mesma forma, condenado e preso sem provas, num processo até hoje contestado, o ex-presidente Lula me fez lembrar o caso do capitão Alfred Dreyfus, uma farsa que custou a ser descoberta, e até hoje ainda divide os franceses.
Alguém já disse que a história sempre se repete como farsa ou como tragédia. Quem foi? Vou consultar o Google…
E vida que segue.

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